sábado, 16 de agosto de 2014

LIÇÃO 07 – A FÉ SE MANIFESTA EM OBRAS



Tg 2.14-26.



INTRODUÇÃO
Nesta lição estudaremos o texto bíblico que é o ponto crucial da epístola de Tiago, e que contém declarações que têm dado lugar a infindáveis debates na Igreja. Não sei se você observou, mas este texto já foi estudo por ocasião da nossa primeira lição, sendo que o considerei impróprio naquele momento para uma aula introdutória. Todavia, foi este parágrafo que levou Martinho Lutero a proferir sua famosa crítica, quando chamou esta carta de “epístola de palha” ou “epístola bem desviada”. Mas a declaração de Tiago em seu conjunto é eminentemente razoável. Procura ele mostrar a diferença que há entre uma fé viva e ativa, e a que existe apenas no nome. Desejo a todos uma excelente aula!! 


I. FÉ E OBRAS – VISÕES DE UM MESMO TEMA (Tg 2.14-17).
Há quem veja, nas Escrituras, um provável conflito entre os escritos de Paulo e os de Tiago, com relação à justificação – se somente pela fé ou pelas obras. Sabemos, contudo, que as Escrituras não possuem discrepâncias. Por isso, as possíveis divergências são aparentes, e se desfazem ao estudarmos com cuidado os referidos textos do assunto. Comecemos, pois, definindo etimologicamente os termos “fé” e “obras”.

1. Definições.
a) A fé.
Dentre as muitas definições sobre a fé que poderíamos mencionar, nenhuma é tão precisa, ou melhor, do que a citada pelo escritor da epístola aos hebreus, que diz: “Ora, a fé é a certeza das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se vêem” (Hb 11.1). O termo “” no original grego é pistis e significa “confiança, convicção, crença ou fidelidade”, ocorrendo 244 vezes no Novo Testamento. Dependendo do contexto em que o referido termo (fé) é aplicado, se objetiva ou subjetivamente, será determinado o seu significado no texto. Em Hebreus 11, por exemplo, o termo “” é aplicado com o significado de “fidelidade”. Todavia, no texto em estudo, o termo “” tem o significado de “crença”. Assim sendo, a fé é a confiança que depositamos em todas as providências de Deus. É a crença de que Ele está no comando de tudo, e que é capaz de manter as leis que estabeleceu. É a convicção de que a sua Palavra é a verdade. 
Na Bíblia podemos observar muitos tipos de fé, por exemplo, fé comum aos que crêem (Mc 16.17,18); fé como fruto do Espírito (Gl 5.22); fé como dom, outorgada pelo Espírito Santo (1 Co 12.9a); fé como meio para a salvação (5.1). Além disso, podemos também notar as várias intensidades da mesma: pequena fé (Mt 6.30; Lc 12.28); tanta fé (Mt 8.10; Lc 7.9); grande fé (Mt 15.28); fé como um grão de mostarda (Mt 17.20). E mais, a fé traz ao que crê: Remissão de pecados (At 10,43); Paz (Rm 15.13); Descanso (Hb 4.3); Esperança (Gl 5.5); Confiança (Ef 3.12); Filiação (Gl 3.26); Vida eterna (Jo 3.36; 11.26); Todas as coisas (Mt 21.22; Mc 9.23). E, ainda habilita o crente a: ficar firme (2 Co 1.24); Viver (Rm 1.17); Andar (2 Co 5.7); Combater (1 Tm 6.12); Vencer (1 Jo 5.4); Obter bom testemunho (Hb 11.39); Tornar-se filho de Deus (Jo 1.12). Agora, compreendemos melhor o escritor da epístola de hebreus, quando asseverou: “Ora, sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11.6).

b) As obras.
O termo “obra” no original grego é ergon e significa “manifestação, prova prática, ato, ação, trabalho, ocupação, realização”. Tais significados dependem da aplicação do termo “obra” no contexto da passagem bíblica; por exemplo, em Tiago 1.4, o termo “obra” possui o significado de “prova prática”, mas no texto de Tiago 2.14ss, o termo “obra” significa “ato, ação”. Assim, segundo Pr. Elinaldo Renovato, o referido termo (obra) no texto em estudo trata de “obras humanas como meio da salvação, como práticas religiosas, orações, penitência, sacrifícios, flagelações, privações, enclausuramento, filantropia, doações, etc”. Porém, o Pr. Claudionor de Andrade diz que, as obras de que Tiago se refere é “tudo quando se faz, pela fé, visando a expansão do Reino de Deus. É a maior evidência de uma fé viva e eficaz. Pelas obras atesta-se a qualidade da fé”. Além disso, no sentido bíblico, o termo “obra” é também usado para classificar e identificar algumas realizações como: “as obras de Deus”, que indicam aquilo que foi e continua sendo feito por Deus (ler Jo 1.3; 5.17; Cl 1.16; Hb 1.2); “as obras da carne”, (Gl 5.19-21); e “as obras da lei” (Rm 3.20). Portanto, o termo “obra” ocorre frequentemente ao longo das Escrituras e precisa ser, assim como o termo “fé”, corretamente compreendido.

2. Palavras idênticas, mas com significados diferentes.
Agora que temos uma compreensão melhor dos termos “fé” e “obras”, atentemos para este importante processo de examinar o contexto que envolve uma palavra, lançando luz sobre as passagens aparentemente divergentes entre Paulo e Tiago. Ao examinarmos os contextos, veremos que cada escritor empregava as mesmas palavras: , obras e justificar, mas de maneira diferente.

a) A fé salvífica (fé viva) vs A fé professada (fé morta)
Quando Paulo fala da fé que justifica, está falando somente da fé salvífica, como um relacionamento real com Cristo, baseado no amor, confiança, e a consagração da vida e vontade a Ele (Rm 4.1-5; Gl 3.6-8). Tiago, no entanto, fala de uma confissão de fé, seja ela a que fé salva, ou meramente um assentimento à existência de Deus (o que também fazem os demônios, Tg 2.19). Note que o elemento da fé professa, é claramente denotado nas palavras “se alguém disser” e “mostra-me”.

Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé e não tiver as obras? Porventura, a fé pode salvá-lo?” ( Tg 2.14).

Mas alguém dirá: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras” (Tg 2.18).

Observe que, o propósito de Tiago não era atacar a fé como meio de salvação, mas, sim, atacar a simples confissão de fé na existência de Deus, como meio de salvação (cf. Tg 2.19). Assim, Tiago não está comparando fé e obras, mas os dois tipos diferentes de fé.

b) As obras da lei vs As obras da fé
Paulo e Tiago também tratam de dois tipos diferentes de obras. Paulo condena as obras como esforços arrogantes do homem procurando merecer a sua própria salvação (Gl 3.11; Rm 3.20). Em Contraste isso, ao referir-se às obras, Tiago fala dessas expressões da fé como resultado natural da justificação (Tg 2.21-23,25). Assim, poderíamos chamar as obras mencionadas por Paulo como sendo “as obras da lei” e as de Tiago como sendo “as obras da fé”.
Desta forma, quando Tiago diz que a fé sem obras é morta (Tg 2.20,26), o que na realidade ele está dizendo é que uma profissão de fé que não resulta em obras de justiça, não é uma profissão veraz; é insuficiente para salvar (Tg 2.14). Por outro lado, uma profissão de fé, completamente por obras de justiça comprova aquela “fé viva”, que realmente salva (Tg 2.21,24,25).

c) A justificação do homem vs A justificação de sua fé
Paulo fala da justificação como a declaração da parte de Deus de que um homem é justo por causa da sua fé em Jesus Cristo. Tiago enfatiza a declaração dos homens de que a fé da pessoa é legítima quando é comprovada por obras de amor e de dedicação ao reino de Cristo. Assim, para mais esclarecimento sobre este assunto, examinaremos duas passagens onde parece que Tiago contradiz até a si mesmo. Observe:

E se cumpriu a Escritura, que diz: Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça, e foi chamado Amigo de Deus” (Tg 2.23).

Não foi pelas obras que o nosso pai Abraão foi justificado, quando ofereceu sobre o altar o próprio filho Isaque?” (Tg 2.21).

Note que o texto de Tiago 2.23 está falando da justificação do homem, ao passo que o texto de Tiago 2.21 está falando da justificação ou prova da fé. A frase de Tiago 2.23, que é citada de Gênesis 15.6, refere-se à justificação inicial de Abraão, e a frase de Tiago 2.21, é uma referência ao sacrifício de Isaque retratado em Gênesis 22 – aproximadamente 30 anos depois de Abraão ter sido declarado justo por causa da sua fé somente, isto é, à parte das obras (justificação progressiva).
Sendo assim, o que a declaração de Tiago 2.23 realmente afirma é que o homem é justificado pela fé somente; e a declaração de Tiago 2.21 que a “fé salvífica” nunca permanece só – sempre está acompanhada de obras de justiça que servem para demonstrar a eficácia da fé do crente. Portanto, esta é aplicação não somente a indivíduos “altamente estimados” tais como Abraão, mas até mesmo a uma meretriz tal como Raabe, que demonstrou a sua fé mediante obras de justiça (Tg 2.25).


II. EXEMPLOS VETEROTESTAMENTÁRIOS DE FÉ E OBRAS (Tg 2.18-25).
Agora, dando prosseguimento ao seu ensino sobre a relevância da fé com as obras, Tiago cita dois exemplos de justificação tirados do Antigo Testamento. Vejamos, pois, o que esses exemplos de fé com obras nos ensinam:

1. Abraão, um clássico exemplo de fé e, também, de obras.
O Patriarca estava com 75 anos quando partiu de Harã (Gn 12.4). Todavia, Abraão não saiu sem rumo como dizem alguns, mas seguiu para Canaã (Gn 12.5) e sempre seguindo para o sul (Gn 12.9). Porém, Deus prometera-lhe multiplicar a sua descendência, e dar-lhe a terra das suas peregrinações (Gn 15.5; 17.5-8). Promessa esta ratificada quando Abraão era velho, o qual não duvidou do poder de Deus nem de sua promessa. Abraão não levou em conta a sua idade nem a de Sara, cujo período de maternidade já havia passado (Gn 18.10-14 cf Gn 21.1). Além disso, ela era estéril (Gn 11.30). Mas, Abraão em momento algum duvidou da promessa, pelo contrário, viveu uma vida de inteiro devotamento e obediência incondicional à ordem de Deus, de modo que ofereceu seu filho Isaque (ver Gn 22). A respeito desse fato, o Dr. Davidson comenta: “Tiago e Paulo concordam que foi quando Abraão ‘creu em Deus’, que ‘isto lhe foi imputado para justiça (Gn 15.6), isto é, foi justificado pela fé perante Deus. Porém, quando pela fé ofereceu Isaque no altar, foi justificado pelas obras perante os homens, visto como demonstrou com isso a realidade de sua confiança em Deus”.
Na verdade, a fé de Abraão é visívelmente notória pela sua obediência incondicional a Deus, visto que recebeu do próprio Deus a graça de se tornar ou ser chamado ‘Amigo de Deus’ (Tg 2.23). Esta foi a caracterização mais alta que já se fez de uma pessoa. Deus admitiu Abraão em Sua intimidade, nada lhe ocultando (Gn 18.17), e sobre ele derramando as mais excelentes bênçãos (Gn 12.2,3; 22.17,18). Evidencia-se deste exemplo que a fé de Abraão não foi mera crença na existência de Deus, e sim um princípio que o levou a confiar nas promessas divinas, a agir pela vontade de Deus, a amar e a obedecer a essa vontade. Suas obras justificaram-lhe a fé e provaram a genuinidade da mesma. Nós também podemos nos tornar amigos de Deus, se atentarmos para as palavras de Jesus: “Vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando” (Jo 15.14).  

2. Raabe, uma notável mulher de fé e, principalmente, de obras.
Embora Raabe não pertencesse ao povo de Deus, ela agiu com fé e de forma louvável escondendo os espias (Js 2.4). É certo afirmar que, sem esse ato de Raabe a conquista de Jericó certamente não teria ocorrido, pelo menos naquele momento, visto que um juramento foi firmado para que o rei de Jericó não soubesse da presença dos espias naquele lugar (Js 2.20). Assim, o que se sabe de Raabe, isto é, do seu passado, é que era uma mulher gentia (pagã) e prostituta (Js 2.1) e que morava sobre o muro de Jericó (Js 2.15). No entanto, Raabe era uma mulher de muita fé, pois ariscou a sua vida para acolher, esconder e proteger os espias dos que buscavam encontrá-los, ou seja, dos moradores da cidade (Js 2.1,4,6,16). Por isso, somente ela e a sua casa, de todos os habitantes de Jericó, escaparam com sua vida (Js 6.17,25). Ao que parece, ela estava determinada a converter-se ao Senhor, pois disse: “Bem sei que o Senhor vos deu esta terra, e que o vosso pavor caiu sobre nós, e que todos os moradores da terra se derretem diante de vós” (Js 2.9). E acrescentou: “Ouvindo isto, desmaiou-nos o coração, e em ninguém mais há ânimo algum, por causa da vossa presença, pois o Senhor vosso Deus é Deus em cima nos céus e em baixo na terra” (Js 2.11). Em seguida, ela se tornou esposa de Salmom, que foi um dos ancestrais de Boás, o avô de Jessé, pai de Davi. Desta forma, ela entrou diretamente para a genealógia de Cristo Jesus (Mt 1.5). Portanto, e igual modo, Raabe praticou algo que obteve a aprovação de Deus, tal como sucedeu no caso de Abraão. E agora o caso dela é usado como exemplo de como a fé e as suas obras cooperam juntamente, visando à justificação.
   

III. METÁFORA: A FÉ SEM OBRAS É MORTA (Tg 2.26).
Nesse versículo Tiago exibe, incidentalmente, sua crença na inseparabilidade entre o corpo e a alma, dando a entender a imortalidade desta última. Este versículo, que declara que a fé pode estar morta como um cadáver, se não for acompanhada por suas obras, é uma conclusão apropriada para a secção inteira. Apesar de que poderíamos esperar que a fé fosse representada pelo espírito, e que as obras representassem o corpo, Tiago reverte isso. O fato que as obras são equiparadas ao espírito, que dá vida ao corpo, mostra que Tiago sob hipótese alguma elevava a fé acima das obras. Antes, ele deixa claro que formam uma união perfeita, igualmente necessárias para a justificação do crente. Por isso, para Tiago, a fé e as obras cooperam para garantir a justificação; e pelas obras a fé é mantida viva (Tg 2.22,24). Assim, pois, o corpo e o espírito cooperam para garantir a continuação da vida, e, pelo espírito, o corpo é conservado em vida. Portanto, seria coisa desnatural e impossível um corpo humano existir vivo sem o espírito. Desta forma, a fé é desnatural, e está morta, quando não é acompanhada por suas obras. E isso envolve qualquer tipo de fé, mesmo tão genuína como a de Abraão, contanto que não seja fingida. Nossa fé pode aceitar todos os conceitos ortodoxos, e podemos confiar verdadeiramente em Deus; mas, se ela não for acompanhada por obras de fé, isto é, a obediência à sua lei, então tal fé será morta, não servindo mais para a justificação ou para obtenção da aprovação divina (Tg 2.14). Porém, a fé e suas obras, se permanecerem juntas, serão vivas, conseguindo a aprovação de Deus; e é disso que consiste a salvação.


CONCLUSÃO
Diante do exposto aprendemos que não é a fé somente que justifica; também não somos justificados somente pelas obras. Mas é o que os judeus sempre acreditaram: a fé e as obras é que justificam. A fé operava juntamente com suas obras; e as obras operavam com a fé, para produzir esse resultado. Assim, a fé, sendo a raiz, deve naturalmente dar origem as obras, que são os frutos. Portanto, a fé salvífica tem que andar juntamente com as obras do salvo, demonstradas pela obediência em “santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14). Que Deus em Cristo vos Abençoe! Amém!! 



REFERÊNCIAS
Ø  CHAMPLIN, Russell Norman, O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo. HAGNOS.
Ø  DAVIDSON, Francis. O Novo Comentário da Bíblia. VIDA NOVA.
Ø  RICHARDS, Lawrence. Guia do Leitor da Bíblia. CPAD
Ø  ANDRADE, Claudionor Corrêa de. Dicionário Teológico. CPAD.
Ø  GIBBS, Carl Boyd. A Doutrina da Salvação. EETAD.
Ø  LIMA, Elinaldo Renovato de. Lições Bíblicas. (1º Trimestre de 1999). CPAD.
Ø  Site: http://www.blueletterbible.org/lang/lexicon/lexicon.cfm?Strongs=G4102&t=KJV&bn=59#lexResults
              http://www.estudobiblico.org/doutrinas-biblicas/fundamentais/fe/762-fe-versus-obras


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