Tg
2.14-26.
INTRODUÇÃO
Nesta
lição estudaremos o texto bíblico que é o ponto crucial da epístola de Tiago, e
que contém declarações que têm dado lugar a infindáveis debates na Igreja. Não
sei se você observou, mas este texto já foi estudo por ocasião da nossa
primeira lição, sendo que o considerei impróprio naquele momento para uma aula
introdutória. Todavia, foi este parágrafo que levou Martinho Lutero a proferir
sua famosa crítica, quando chamou esta carta de “epístola de palha” ou “epístola
bem desviada”. Mas a declaração de Tiago em seu conjunto é
eminentemente razoável. Procura ele mostrar a diferença que há entre uma fé viva
e ativa, e a que existe apenas no nome. Desejo a todos uma excelente
aula!!
I.
FÉ E OBRAS – VISÕES DE UM MESMO TEMA (Tg 2.14-17).
Há quem
veja, nas Escrituras, um provável conflito entre os escritos de Paulo e os de
Tiago, com relação à justificação – se somente pela fé ou pelas obras. Sabemos,
contudo, que as Escrituras não possuem discrepâncias. Por isso, as possíveis
divergências são aparentes, e se desfazem ao estudarmos com cuidado os
referidos textos do assunto. Comecemos, pois, definindo etimologicamente os
termos “fé” e “obras”.
1. Definições.
a) A fé.
Na Bíblia
podemos observar muitos tipos de fé, por exemplo, fé comum aos que crêem (Mc
16.17,18); fé como fruto do Espírito (Gl 5.22); fé como dom, outorgada pelo
Espírito Santo (1 Co 12.9a); fé como meio para a salvação (5.1). Além disso,
podemos também notar as várias intensidades da mesma: pequena fé (Mt 6.30; Lc
12.28); tanta fé (Mt 8.10; Lc 7.9); grande fé (Mt 15.28); fé como um grão de
mostarda (Mt 17.20). E mais, a fé traz ao que crê: Remissão de pecados (At
10,43); Paz (Rm 15.13); Descanso (Hb 4.3); Esperança (Gl 5.5); Confiança (Ef
3.12); Filiação (Gl 3.26); Vida eterna (Jo 3.36; 11.26); Todas as coisas (Mt
21.22; Mc 9.23). E, ainda habilita o crente a: ficar firme (2 Co 1.24); Viver
(Rm 1.17); Andar (2 Co 5.7); Combater (1 Tm 6.12); Vencer (1 Jo 5.4); Obter bom
testemunho (Hb 11.39); Tornar-se filho de Deus (Jo 1.12). Agora, compreendemos
melhor o escritor da epístola de hebreus, quando asseverou: “Ora, sem fé é impossível agradar a Deus”
(Hb 11.6).
b) As obras.
2. Palavras idênticas, mas com
significados diferentes.
Agora que temos uma compreensão melhor dos
termos “fé” e “obras”, atentemos para este importante processo de examinar o
contexto que envolve uma palavra, lançando luz sobre as passagens aparentemente
divergentes entre Paulo e Tiago. Ao examinarmos os contextos,
veremos que cada escritor empregava as mesmas palavras: fé, obras e justificar, mas de maneira diferente.
a) A fé salvífica (fé viva) vs A fé
professada (fé morta)
“Meus irmãos, que
aproveita se alguém disser que tem fé e não tiver as obras? Porventura, a fé
pode salvá-lo?” ( Tg 2.14).
“Mas alguém dirá: Tu tens
a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te
mostrarei a minha fé pelas minhas obras” (Tg 2.18).
Observe que, o propósito de Tiago não era
atacar a fé como meio de salvação, mas, sim, atacar a simples confissão de fé
na existência de Deus, como meio de salvação (cf. Tg 2.19). Assim, Tiago não está
comparando fé e obras, mas os dois tipos diferentes de fé.
b) As obras da
lei vs As obras da fé
Paulo e
Tiago também tratam de dois tipos diferentes de obras. Paulo condena as obras
como esforços arrogantes do homem procurando merecer a sua própria salvação (Gl
3.11; Rm 3.20). Em Contraste isso, ao referir-se às obras, Tiago fala dessas
expressões da fé como resultado natural da justificação (Tg 2.21-23,25). Assim,
poderíamos chamar as obras mencionadas por Paulo como sendo “as obras da lei” e as de Tiago como
sendo “as obras da fé”.
Desta forma, quando Tiago diz que a fé sem
obras é morta (Tg 2.20,26), o que na realidade ele está dizendo é que uma
profissão de fé que não resulta em obras de justiça, não é uma profissão veraz;
é insuficiente para salvar (Tg 2.14). Por outro lado, uma profissão de fé,
completamente por obras de justiça comprova aquela “fé viva”, que realmente salva (Tg 2.21,24,25).
c) A justificação do homem vs A justificação
de sua fé
Paulo fala da justificação como a declaração
da parte de Deus de que um homem é justo por causa da sua fé em Jesus Cristo.
Tiago enfatiza a declaração dos homens de que a fé da pessoa é legítima quando
é comprovada por obras de amor e de dedicação ao reino de Cristo. Assim, para mais
esclarecimento sobre este assunto, examinaremos duas passagens onde parece que
Tiago contradiz até a si mesmo. Observe:
“E se
cumpriu a Escritura, que diz: Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para
justiça, e foi chamado Amigo de Deus” (Tg 2.23).
“Não
foi pelas obras que o nosso pai Abraão foi justificado, quando ofereceu sobre o
altar o próprio filho Isaque?” (Tg 2.21).
Note que o texto de Tiago 2.23 está falando
da justificação do homem, ao passo que o texto de Tiago 2.21 está falando da justificação
ou prova da fé. A frase de Tiago 2.23, que é citada de Gênesis 15.6, refere-se
à justificação inicial de Abraão, e a
frase de Tiago 2.21, é uma referência ao sacrifício de Isaque retratado em
Gênesis 22 – aproximadamente 30 anos depois de Abraão ter sido declarado justo
por causa da sua fé somente, isto é, à parte das obras (justificação progressiva).
Sendo assim, o que a declaração de Tiago
2.23 realmente afirma é que o homem é justificado
pela fé somente; e a declaração de Tiago 2.21 que a “fé salvífica” nunca permanece só – sempre está acompanhada de obras de justiça que servem para
demonstrar a eficácia da fé do crente. Portanto, esta é aplicação não somente a
indivíduos “altamente estimados” tais como Abraão, mas até mesmo a uma meretriz
tal como Raabe, que demonstrou a sua fé mediante obras de justiça (Tg 2.25).
II.
EXEMPLOS VETEROTESTAMENTÁRIOS DE FÉ E OBRAS (Tg 2.18-25).
Agora, dando
prosseguimento ao seu ensino sobre a relevância da fé com as obras, Tiago cita
dois exemplos de justificação tirados do Antigo Testamento. Vejamos, pois, o
que esses exemplos de fé com obras nos ensinam:
1. Abraão, um clássico exemplo de fé e, também, de obras.
O
Patriarca estava com 75 anos quando partiu de Harã (Gn 12.4). Todavia, Abraão
não saiu sem rumo como dizem alguns, mas seguiu para Canaã (Gn 12.5) e sempre
seguindo para o sul (Gn 12.9). Porém, Deus prometera-lhe multiplicar a sua
descendência, e dar-lhe a terra das suas peregrinações (Gn 15.5; 17.5-8).
Promessa esta ratificada quando Abraão era velho, o qual não duvidou do poder
de Deus nem de sua promessa. Abraão não levou em conta a sua idade nem a de
Sara, cujo período de maternidade já havia passado (Gn 18.10-14 cf Gn 21.1).
Além disso, ela era estéril (Gn 11.30). Mas, Abraão em momento algum duvidou da
promessa, pelo contrário, viveu uma vida de inteiro devotamento e obediência
incondicional à ordem de Deus, de modo que ofereceu seu filho Isaque (ver Gn 22).
A respeito desse fato, o Dr. Davidson comenta: “Tiago e Paulo concordam que foi quando Abraão ‘creu em Deus’, que ‘isto lhe foi imputado para justiça’ (Gn 15.6), isto é, foi justificado pela fé perante Deus. Porém,
quando pela fé ofereceu Isaque no altar, foi justificado pelas obras perante os
homens, visto como demonstrou com isso a realidade de sua confiança em Deus”.
Na
verdade, a fé de Abraão é visívelmente notória pela sua obediência
incondicional a Deus, visto que recebeu do próprio Deus a graça de se tornar ou
ser chamado ‘Amigo de Deus’ (Tg 2.23).
Esta foi a caracterização mais alta que já se fez de uma pessoa. Deus admitiu
Abraão em Sua intimidade, nada lhe ocultando (Gn 18.17), e
sobre ele derramando as mais excelentes bênçãos (Gn 12.2,3; 22.17,18).
Evidencia-se deste exemplo que a fé de Abraão não foi mera crença na existência
de Deus, e sim um princípio que o levou a confiar nas promessas divinas, a agir
pela vontade de Deus, a amar e a obedecer a essa vontade. Suas obras
justificaram-lhe a fé e provaram a genuinidade da mesma. Nós também podemos nos
tornar amigos de Deus, se atentarmos para as palavras de Jesus: “Vós sois
meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando” (Jo 15.14).
2. Raabe, uma
notável mulher de fé e, principalmente, de obras.
Embora
Raabe não pertencesse ao povo de Deus, ela agiu com fé e de forma louvável escondendo
os espias (Js 2.4). É certo afirmar que, sem esse ato de Raabe a conquista de Jericó
certamente não teria ocorrido, pelo menos naquele momento, visto que um
juramento foi firmado para que o rei de Jericó não soubesse da presença dos
espias naquele lugar (Js 2.20). Assim, o que se sabe de Raabe, isto é, do seu
passado, é que era uma mulher gentia (pagã) e prostituta (Js 2.1) e que morava
sobre o muro de Jericó (Js 2.15). No entanto, Raabe era uma mulher de muita fé,
pois ariscou a sua vida para acolher, esconder e proteger os espias dos que
buscavam encontrá-los, ou seja, dos moradores da cidade (Js 2.1,4,6,16). Por
isso, somente ela e a sua casa, de todos os habitantes de Jericó, escaparam com
sua vida (Js 6.17,25). Ao que parece, ela estava determinada a converter-se ao
Senhor, pois disse: “Bem sei que o Senhor vos deu esta terra, e
que o vosso pavor caiu sobre nós, e que todos os moradores da terra se derretem
diante de vós” (Js 2.9). E acrescentou: “Ouvindo isto, desmaiou-nos o
coração, e em ninguém mais há ânimo algum, por causa da vossa presença, pois o
Senhor vosso Deus é Deus em cima nos céus e em baixo na terra” (Js
2.11). Em seguida, ela se tornou esposa de Salmom, que foi um dos ancestrais de
Boás, o avô de Jessé, pai de Davi. Desta forma, ela entrou diretamente para a
genealógia de Cristo Jesus (Mt 1.5). Portanto, e igual modo, Raabe praticou
algo que obteve a aprovação de Deus, tal como sucedeu no caso de Abraão. E
agora o caso dela é usado como exemplo de como a fé e as suas obras cooperam
juntamente, visando à justificação.
III.
METÁFORA: A FÉ SEM OBRAS É MORTA (Tg 2.26).
Nesse
versículo Tiago exibe, incidentalmente, sua crença na inseparabilidade entre o corpo
e a alma, dando a entender a imortalidade desta última. Este versículo, que
declara que a fé pode estar morta como um cadáver, se não for acompanhada por
suas obras, é uma conclusão apropriada para a secção inteira. Apesar de que
poderíamos esperar que a fé fosse representada pelo espírito, e que as obras
representassem o corpo, Tiago reverte isso. O fato que as obras são equiparadas
ao espírito, que dá vida ao corpo, mostra que Tiago sob hipótese alguma elevava
a fé acima das obras. Antes, ele deixa claro que formam uma união perfeita, igualmente
necessárias para a justificação do crente. Por isso, para Tiago, a fé e as
obras cooperam para garantir a justificação; e pelas obras a fé é mantida viva
(Tg 2.22,24). Assim, pois, o corpo e o espírito cooperam para garantir a continuação
da vida, e, pelo espírito, o corpo é conservado em vida. Portanto, seria coisa
desnatural e impossível um corpo humano existir vivo sem o espírito. Desta
forma, a fé é desnatural, e está morta, quando não é acompanhada por suas obras.
E isso envolve qualquer tipo de fé, mesmo tão genuína como a de Abraão, contanto
que não seja fingida. Nossa fé pode aceitar todos os conceitos ortodoxos, e
podemos confiar verdadeiramente em Deus; mas, se ela não for acompanhada por
obras de fé, isto é, a obediência à sua lei, então tal fé será morta, não
servindo mais para a justificação ou para obtenção da aprovação divina (Tg 2.14).
Porém, a fé e suas obras, se permanecerem juntas, serão vivas, conseguindo a
aprovação de Deus; e é disso que consiste a salvação.
CONCLUSÃO
Diante
do exposto aprendemos que não é a fé somente que justifica; também não somos justificados
somente pelas obras. Mas é o que os judeus sempre acreditaram: a fé e as obras é que justificam. A fé
operava juntamente com suas obras; e as obras operavam com a fé, para produzir
esse resultado. Assim, a fé, sendo a raiz, deve naturalmente
dar origem as obras, que são os frutos. Portanto, a fé salvífica tem que andar
juntamente com as obras do salvo, demonstradas pela obediência em “santificação,
sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14). Que
Deus em Cristo vos Abençoe! Amém!!
REFERÊNCIAS
Ø CHAMPLIN,
Russell Norman, O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo. HAGNOS.
Ø DAVIDSON, Francis. O Novo Comentário da Bíblia.
VIDA NOVA.
Ø RICHARDS, Lawrence. Guia do Leitor da Bíblia.
CPAD
Ø
ANDRADE, Claudionor
Corrêa de. Dicionário Teológico.
CPAD.
Ø GIBBS, Carl Boyd. A Doutrina da Salvação.
EETAD.
Ø LIMA, Elinaldo Renovato de. Lições Bíblicas.
(1º Trimestre de 1999). CPAD.
Ø Site: http://www.blueletterbible.org/lang/lexicon/lexicon.cfm?Strongs=G4102&t=KJV&bn=59#lexResults
http://www.estudobiblico.org/doutrinas-biblicas/fundamentais/fe/762-fe-versus-obras
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