Lc 18.21-35
INTRODUÇÃO
Respondendo um
questionamento de um dos discípulos sobre o perdão, Jesus contou a parábola
denominada de “credor incompassivo”, cujo ensinamento principal
foi de que assim como Deus perdoa as nossas iniquidades, de forma semelhante
devemos exercer misericórdia de forma ilimitada para com aqueles que pecam
contra nós.
I. INFORMAÇÕES A RESPEITO DESTA
PARÁBOLA
1.1
Curiosidades.
Esta parábola
destaca-se entre as demais pelas seguintes características: a) ela só é
encontrada no Evangelho de Mateus (Mt 18.23-35); b) está entre as
classificadas “parábolas do Reino” (Mt 18.23); e, c) é uma
das poucas parábolas que trata acerca do perdão (Mt 18.35), a outra está em
Lucas 7.41,42.
1.2 Pano de
fundo.
O pano de fundo
que levou Jesus a contar esta parábola, foi para responder uma pergunta do
apóstolo Pedro. Ele queria saber quantas vezes tinha que perdoar esse irmão: “Senhor,
até quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu lhe perdoarei?” (Mt
18.21-b). O Talmude judaico baseado em Amós caps 1 e 2, ensinava que não se
devia perdoar ao ofensor além de três vezes (BEACON, 2008, p. 131 – acréscimo
nosso). Talvez querendo mostrar-se generoso, Pedro sugeriu: “Até sete?” (Mt
18.21-c), quem sabe aproveitando uma fala de Jesus em outra ocasião, quando
disse que devia se perdoar o irmão até “sete vezes no dia” (Lc
17.3,4). No entanto, a resposta de Jesus foi extremamente confrontadora a perspectiva
humana sobre o perdão, mostrando que não deve haver limites para exercê-lo: “Não
te digo que até sete; mas, até setenta vezes sete” (Mt 18.22). Se sete
é um número que representa completude, setenta vezes sete deve ser plenitude
absoluta (BOYER, 2009, p. 383).
II. OS PERSONAGENS DA PARÁBOLA
Embora a
narrativa parabólica seja fictícia os personagens são figuras presentes do
cotidiano de Israel. Vejamos quais os personagens desta parábola:
2.1 O rei (Mt
18.23).
Jesus iniciou
esta parábola falando do primeiro personagem: “o reino dos céus pode
comparar-se a um certo rei […]” (Mt 18.23-a). É dito que este rei
resolveu ajustar as contas com seus servos, a quem ele havia emprestado um
dinheiro (Mt 18.23); que ele era generoso (Mt 18.26,33); mas, também justo (Mt
18.32-34).
2.2 Um servo (Mt
18.23,24).
Quando o rei
iniciou o trabalho de prestação de contas entre os seus servos “foi-lhe apresentado
um que lhe devia dez mil talentos” (Mt 18.24-b). Sua dívida era muito grande
visto que “um talento era o valor equivalente a seis mil denários, o que
equivalia a seis mil dias úteis de trabalho ou trinta anos de trabalho. Um
único talento era quase a renda de uma vida inteira” (ROBERTSON, 2011, p. 209).
Na parábola é dito que ele não tinha com que pagar (Mt 18.25-a). Diante disso,
o rei, valendo-se da Lei de Moisés (Êx 22.3; Lv 25.39,47), ordenou que este
servo e toda a sua família fossem seus servos a fim de quitar a dívida (Mt
18.25). Ao saber que ele toda a família serviriam ao rei, este servo
prostrou-se diante do rei e apelou para a sua misericórdia, rogando-lhe que lhe
desse mais tempo para salvar a dívida completamente (Mt 18.26). Diante do
pedido do servo, o rei, movido de íntima compaixão, decidiu perdoá-lo da
dívida: “Então o senhor daquele servo, movido de íntima compaixão,
soltou-o e perdoou-lhe a dívida” (Mt 18.27). Sobre este servo é dito
que era apto a pedir misericórdia, mas não de exercer misericórdia (Mt
18.26,33). Por causa dessa atitude ele é chamado pelo rei de “servo
malvado” (Mt 18.32a).
2.3 O conservo
(Mt 18.28).
Ao sair da
presença do rei com a sua dívida perdoada, o servo encontrou-se com um dos seus conservos (Mt 18.28); e, ao abordá-lo cobrou
lhe os “cem dinheiros” ou “cem denários”, que este
lhe devia: “e, lançando mão dele, sufocava-o, dizendo: Paga-me o que me
deves” (Mt 18.28-b). O denário equivalia a um dia de trabalho (Mt 20.2)
(CHAMPLIN, 2004, p. 474). O conservo diante da cobrança se humilhou e rogou
misericórdia para poder saldar o seu débito “[...] prostrando-se a seus
pés, rogava-lhe, dizendo: Sê generoso para comigo, e tudo te pagarei” (Mt
18.29). No entanto, seu pedido por generosidade foi negado, e ele foi
sentenciado a prisão, até que quitasse a dívida (Mt 18.30). Embora estivesse em
seu poder perdoar o conservo, este homem o negou: “Ele, porém, não quis
[…]” (Mt 18.30). Vejamos abaixo as diferenças entre o servo e o
conservo:
SERVO
|
CONSERVO
|
Foi chamado
pelo rei para prestar contas (Mt 18.23,24)
|
Foi abordado
com violência pelo seu senhor (Mt 18.28)
|
Devia dez mil
talentos (Mt 18.24)
|
Devia cem
dinheiros (Mt 18.28)
|
Prostrou-se
para pedir tempo para pagar e foi perdoado (Mt 18.25-27)
|
Prostrou-se
para pedir tempo para pagar e foi preso (Mt 18.29,30)
|
III. ENTENDENDO QUEM OS
PERSONAGENS REPRESENTAM
Nem sempre os
personagens de uma parábola tem significação. No entanto, nesta, percebemos que
Cristo lhes dá um sentido. Vejamos:
3.1 Deus é o rei
(Mt 18.35).
Embora nem
sempre nas parábolas cada personagem tenha um significado, nesta especificamente,
fica claro que o “rei” é uma figura de Deus, como o próprio Jesus
aplica (Mt 18.35). O rei é o principal chefe ou governante de uma tribo ou
nação” (CHAMPLIN, 2004, p. 617). O título de rei, nas Escrituras, tanto é
aplicado ao Pai (Sl 10.16; 145.13; Jr 10.10) como ao Filho (Ap 17.14; 19.16). O
monarca desta parábola retrata o caráter divino pois é apresentado como um rei
que: (a) se compadece: “movido de íntima compaixão” (Ef
2.4,5; Tt 3.5; 1 Pd 2.10; Sl 103.13; Rm 12.1); (b) liberta: “soltou-o”
(Ef 1.7; 1 Pd 1.18,19; Lv 17.11); e, (c) perdoa: “e
perdoou-lhe a dívida” (Is 55.7; 1 Jo 1.9). Sua bondade em perdoar o
servo de sua dívida e sua justiça e juízo de puní-lo por negar misericórdia ao
conservo retratam perfeitamente o caráter divino que está disposto a perdoar o
pecador arrependido (Mt 9.13; Lc 5.32; Rm 11.32), mas também de punir ao
pecador perdoado que se recusa liberar perdão (Mt 6.15; 18.34,35; Mc 11.26).
3.2 Nós somos os
servos (Mt 18.23,35).
Os servos do rei
são todos aqueles que se submeteram a Cristo como Senhor e Salvador. Isto fica
evidente no início da parábola, quando Jesus está falando do Reino de Deus aos
súditos desse Reino, ou seja, seus discípulos (Mt 18.23). Assim como este servo
tinha uma dívida da qual não tinha condições de pagar ao rei e clamando por
misericórdia foi perdoado, ele retrata a nossa condição de pecadores diante de
Deus (Rm 3.23) que somente por Sua imensurável graça poderíamos ser
restaurados, pois o pecado é uma dívida que o homem contrai, para a qual o único
recurso é o perdão (Cl 2.13; 1 Jo 1.9; 2.12).
3.3 O conservo é
o nosso irmão (Mt 18.28,35).
O conservo da
parábola é o nosso irmão, isto fica claro, a luz do contexto, ou seja, do texto
que precede a parábola, quando vemos Jesus falar sobre o tratamento que se deve
a “um irmão que peca contra o outro” (Mt 18.15). O rei perdoou o
servo a sua dívida e esperava que ao menos o servo perdoado pudesse fazer o mesmo
com o seu conservo, por isso disse “Não devias tu, igualmente, ter compaixão
do teu companheiro, como eu também tive misericórdia de ti?” (Mt
18.33). Não podemos agir com o nosso irmão diferente da forma como Deus age conosco
(Lc 10.27). Isto Jesus ensinou quando disse “e, quando estiverdes orando,
perdoai, se tendes alguma coisa contra alguém, para que vosso Pai, que está nos
céus, vos perdoe as vossas ofensas” (Mc 11.25). O apóstolo Paulo também
firmou: “como Cristo vos perdoou, assim fazei vós também” (Cl
3.13; Ef 4.32); os demais apóstolos transmitiram o mesmo ensino (1 Pd 2.21; 1
Jo 1.7; 4.7).
IV. O PRINCIPAL ENSINAMENTO DESTA
PARÁBOLA: O PERDÃO
Mateus registrou
os ensinamentos de Jesus mais diretamente relacionados com a conduta dos seus
discípulos como membros do Reino trazido à terra por Ele. O reino dos céus tem valores
essencialmente diferentes dos que caracterizam as
instituições
terrenas e as organizações seculares. A sociedade dos perdoados fica sem
sentido, se os que são perdoados não perdoam (TASKER, 2006, p. 138). O verbo “perdoar”
significa: “renunciar a punir; desculpar; poupar; ver com bons olhos”
(HOUAISS, 2001 p. 2185). Sobre o perdão, Jesus ensinou que:
4.1 O perdão não
deve ser limitado (Mt 18.21,22).
A resposta de
Jesus a pergunta de Pedro quantas vezes se devia perdoar o irmão ofensor com a
sugestão de “até sete” (Mt 18.21-c), teve como resposta do Mestre
“até setenta vezes sete” (Mt 18.22), o que significa dizer: de
forma ilimitada. Assim como Deus amou o mundo de maneira ilimitada (Jo 3.16), devemos
reproduzir este amor nos nossos relacionamentos (1 Jo 3.16).
4.2 O perdão não
deve ser negado (Mt 18.35a).
Jesus ensinou
que não podemos negar o perdão aquele que arrependido nos rogar, tendo como
base o caráter generoso do próprio Deus, que sempre nos perdoa quando
sinceramente lhe pedimos. A Bíblia diz que Ele “está pronto a perdoar” (Sl
86.5); e, que é “grandioso em perdoar” (Is 55.7). Veja ainda: (2
Cr 7.14; Pv 28.13; 55.7; 1 Jo 2.1). Portanto, quando perdoamos nos assemelhamos
a Deus (Lc 6.36; Ef 4.32 Cl 2.13; 1 Jo 1.9; 2.12).
4.3 O perdão não
deve ser superficial (Mt 18.35b).
Perdoar é mais
que palavras (1 Jo 3.18). Jesus ensinou que é preciso que o perdão brote do
coração, ou seja, do íntimo do nosso ser (Mt 18.35-b). A Bíblia diz que não
podemos guardar ira no coração (Ef 4.26; Tg 3.14), nem permitir que nele brote
raiz de amargura (Ef 4.31; Hb 12.15). Como é nele que pode se formar o ódio, é
nele que o perdão deve nascer a fim de curar o mal em sua nascente. Ainda sobre
o perdão é preciso destacar que: a) é uma condição para permanecermos em
comunhão Deus (Mt 6.12,14-15; 18.35; Mc 11.25,26); b) ele revela se
somos autênticos cristãos (Mt 3.8; 7.20; 12.33; Lc 6.44; Gl 5.22); e, c) ele
é condição para Deus receber a nossa oferta (Mt 5.23,24).
CONCLUSÃO
Jesus ensinou
que as ofensas que os homens cometem uns contra os outros são mínimas em
comparação às ofensas que todos cometem contra Deus. Se Ele nos perdoa por Sua
graça, devemos tratar o nosso próximo com a mesma graça.
REFERÊNCIAS
Ø BOYER,
Orlando. Espada Cortante. CPAD.
Ø CHAMPLIN,
R. N. Dicionário de Bíblia, Teologia e Filosofia. HAGNOS.
Ø HOUAISS,
Antônio. Dicionário da Língua Portuguesa. OBJETIVA.
Ø HOWARD,
R.E, et al. Comentário Bíblico Beacon. CPAD.
Ø ROBERTSON,
A.T. Comentário de Mateus e Marcos. CPAD.
Ø STAMPS,
Donald C. Bíblia de Estudo Pentecostal. CPAD.
Por Rede
Brasil de Comunicação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário