Jo
14.1-15
INTRODUÇÃO
Nesta
lição, teremos a oportunidade de aprofundarmos nosso entendimento bíblico
acerca de uma das mais famosas declarações feitas pelo Senhor Jesus e que
rotineiramente utilizamos em nossas experiências de evangelismo: de que Ele é o
caminho, a verdade e a vida (Jo 14.6). Veremos que a afirmação de Jesus está
profundamente estruturada nos conceitos de caminho, verdade e vida presentes no
Antigo Testamento, convergindo e tendo a revelação plena na sua pessoa bendita,
conforme evidenciado pelo Novo Testamento. É imprescindível exercitarmos o
pensamento bíblico na dependência do Espírito Santo, o maior intérprete das
Escrituras, que tira o véu dos nossos olhos espirituais e nos permite enxergar
com clareza que a Bíblia harmoniosamente testifica e aponta para a centralidade
do Senhor Jesus.
I. O SIGNIFICADO DE CAMINHO
1.
Etimologia do termo.
O
termo grego frequentemente utilizado no Novo Testamento para designar “caminho”
é a palavra hodos que, a depender do contexto, pode significar
(a) tanto um caminho literal, uma passagem ou uma estrada (At 8.26; Tg 2.25; Ap
16.12), (b) quanto de forma figurada para representar a conduta moral do homem
(Mt 21.32; 2Pd 2.21). Como desdobramento deste sentido figurado, a Escritura de
modo geral fala em mau caminho como sinônimo de má conduta, pecaminosidade (2Cr
7.14; Ez 33.11; 36.31; Mt 7.13; Rm 3.16), e bom caminho como correspondente a
uma vida de retidão (Dt 31.29; Is 30.21; Mt 7.14; Lc 1.79). É possível também
observar o sentido geral da expressão “caminho de Deus/caminho do Senhor” para
se referir ao modo de operação divina – a maneira como Deus age – (Is 55.8-9;
Mt 3.3; Ap 15.3) como também a um modo de viver conforme a vontade de Deus (Sl
25.4; Pv 8.32). Este último sentido é particularmente recorrente no Antigo
Testamento para ilustrar a relação dos justos com a vontade divina manifesta na
Lei (Sl 1.1-6; Sl 119.9).
2.
Contexto do termo.
O
contexto em que Jesus afirmou ser ele mesmo o caminho é o de suas últimas
instruções. O tom narrativo é o de despedida. Jesus afirmou que iria para o Pai
a fim de preparar lugar para os seus discípulos: “mesmo vós sabeis para
onde vou e conheceis o caminho” (Jo 14.4). Diante da dúvida de Tomé
para onde Jesus iria e qual caminho tomaria (v.5), Jesus afirmou: “Eu sou
o caminho (...). Ninguém vem ao Pai senão por mim” (v.6).
II. JESUS COMO O ÚNICO CAMINHO
1
Jesus como único caminho de acesso ao Pai.
A
relação entre o Pai e o Filho como implicação de vida eterna para os seres
humanos parece ter sido particularmente desenvolvida nos escritos joaninos
(Evangelho e Epístolas de João): “E a vida eterna é esta: que conheçam a
ti só por único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a quem enviaste”. (Jo
17.3) Em sua primeira epístola o apóstolo João foi ainda mais enfático: “Qualquer
que nega o Filho também não tem o Pai; e aquele que confessa o Filho tem também
o Pai. Portanto, o que desde o princípio ouvistes permaneça em vós. Se em vós
permanecer o que desde o princípio ouvistes, também permanecereis no Filho e no
Pai. E esta é a promessa que ele nos fez: a vida eterna.” (1Jo 2.23-25;
ver também 1Jo 5.11-12) O ensino de Cristo e do apóstolo João não permite
admitirmos meios alternativos de acesso a Deus e à salvação, como o discurso
ecumênico vigente em nossos dias quer fazer crer. Jesus não é um caminho, Ele é
O Caminho (Is 35.8). Este acesso à presença de Deus foi possibilitado pela obra
expiatória realizada no Calvário por Cristo Jesus, um “novo e vivo
caminho que ele nos consagrou” (Hb 10.20).
2.
Jesus como modo de viver agradável ao Pai.
Sendo
Jesus o caminho que conduz ao Pai e à vida eterna, a noção de caminho como um
modo de viver que glorifica a Deus também pode ser aplicado no exemplo de vida
deixado pelo Senhor Jesus. O Mestre ensinou no Sermão do Monte que “estreita
é a porta, e apertado o caminho que leva à vida” (Mt 7.14). Seguir a
Jesus, imitando-o, tomando cada dia a sua cruz e renunciando a si mesmo e ao
mundo também pode ser compreendido como uma maneira de ser conduzido na vida de
modo a agradar a Deus. Em pelo menos dois momentos o próprio Pai deu testemunho
de sua alegria, concordância e prazer com o modo de viver do Senhor Jesus: no
momento do batismo por João Batista no rio Jordão (Mt 3.17; Mc 1.11; Lc 3.22) e
no monte da transfiguração (Mt 17.5; Mc 9.7; Lc 9.35; 2Pd 1.17-18). Observar o
ensino, o modo de proceder e de viver do Senhor Jesus descrito nas páginas dos
Evangelhos e no ensino doutrinário dos apóstolos ao longo do Novo Testamento
constitui viver no caminho que o Senhor Jesus representa. Por este motivo ele
disse aos seus discípulos: “vós sabeis para onde vou e conheceis o
caminho (...) Eu sou o caminho” (Jo 14.4,6). Jesus é o caminho perfeito
do Senhor tão reiteradamente enfatizado pelos escritores do Antigo Testamento
(Sl 18.30; Sl 25.8-10; Is 30.21).
III. JESUS COMO VERDADE
1.
Jesus como a verdade que liberta.
O
substantivo grego aletheia foi empregado para designar o que foi
traduzido na língua portuguesa como “verdade” em João 14.6. A declaração de que
Jesus é a verdade (Jo 14.6), a verdade que liberta (Jo 8.32) e cujo ensino é
“verdadeiro” (alethes) (Jo 8.14) foi uma declaração de fé
fundamental para a Igreja dos primeiros séculos, em uma época profundamente
marcada pelo pensamento filosófico grego no mundo mediterrânico sob dominação
de Roma. Reafirmar que Jesus é a verdade foi uma postura contracultural da
Igreja primitiva e continua sendo atualmente, em que parece imperar o
relativismo nos círculos mais intelectualizados da sociedade. Dessa forma, e de
maneira proporcional, crer que Jesus é a verdade foi tão corajoso quanto
afirmar que Jesus é Deus e negar divindade aos imperadores romanos, como o
fizeram os primeiros cristãos. Para a Igreja do Senhor Jesus, a verdade não era
um conceito, uma doutrina ou um sistema coeso de ideias filosóficas: a verdade
era uma pessoa – Jesus. Uma das passagens bíblicas que mais ilustram esta
tensão entre o ensino do Senhor Jesus e o mundo filosófico de sua época ocorreu
pouco antes de sua crucificação, quando ele estava sendo interrogado por
Pilatos: “Eu para isso nasci e vim ao mundo, a fim de dar testemunho da
verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz. Disse-lhe Pilatos: Que
é a verdade?” (Jo 18.37-38). A pergunta de Pilatos é o reflexo da
condição humana caída que, embora desconhecendo e tendo desejo de buscar a verdade,
não é capaz de reconhecê-la em Jesus (Jo 1.9-10; 3.19). Como no primeiro
século, a Igreja, “enriquecida da plenitude da inteligência”,
ainda hoje anuncia a Cristo, “em quem estão escondidos todos os tesouros
da sabedoria e da ciência” (Cl 2.2-3).
2.
Jesus como a verdade que salva.
Nos
livros poéticos do Antigo Testamento, notadamente nos Salmos, a verdade de Deus
é frequentemente louvada (Sl 57.10; 86.11; 117.2; Ml 2.6) ao lado de outros
atributos da sua divindade, além de ser associada à Lei como manifestação e
expressão da vontade divina: “A tua justiça é uma justiça eterna, e a tua
lei é a verdade” (Sl 119.142). Portanto, sendo Jesus a verdade, é
imprescindível considerar que Ele é a encarnação da vontade de Deus e o
comunicador desta mesma vontade (Hb 1.1). Por este motivo é mencionado mais de
uma vez nos Evangelhos que Jesus veio para cumprir a lei (Mt 3.15; 5.17-19; Lc
2.22-24). Jesus afirmou a autenticidade do seu testemunho para interlocutores
judeus incrédulos à sua mensagem e sinais. Ser incrédulo em relação à Jesus, a
verdade divina encarnada, tem consequências devastadoras de condenação eterna
porque transtorna-se “a verdade de Deus em mentira” (Rm 1.25; ver
também 1ª Jo 5.9-10; Jo 5.24).
IV. O SIGNIFICADO DE VIDA
No
Novo Testamento, ao menos três palavras foram utilizadas em grego para designar
“vida”, mas com aplicações específicas, a depender do contexto em que são
empregadas. São elas: zõe, bios e psyche.
O termo zõe foi o termo mais comum no Novo Testamento, inclusive
foi esta palavra que aparece como “vida” em João 14.6 e, segundo o Dicionário
Bíblico Wycliffe (2007, p. 2016), ela pode designar a vida física (Mt 2.20), a
vida de Deus (Jo 5.26) e a vida de Cristo no crente (2Co 4.10-11). Por outro
lado, o termo bios nunca é aplicado em relação à vida eterna, mas
se refere à vida terrena, quanto à duração, subsistência, funções e conduta.
Jáa expressão psyche aparece traduzida como “alma” ou “fôlego de
vida” (anima, em latim).
1.
A vida física.
É
possível dizer que o sentido de vida empregado pelo Senhor Jesus em João 14.6
se aplica tanto à dimensão física. A existência da própria vida no mundo físico
tem relação direta com a pessoa do Deus Filho. Além disso, se a morte entrou no
mundo por meio do pecado (Rm 5.12; 1Co 15.21), uma vez que Jesus é o antídoto
para o pecado (Jo 3.14-15), n’Ele a morte é vencida (1Co 15.54-55). Por este
motivo, a doutrina da ressurreição dos mortos tem centralidade fundamental para
a fé cristã, pois trata-se da superação definitiva da morte por meio do poder
de Deus em Cristo (1Co 15.12-18). “Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição
e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá” (Jo 11.25).
Dessa forma, para os que estão em Cristo as noções de vida física e vida
espiritual precisam ser encaradas de maneira integrada. Os que hoje estão
fisicamente mortos ressuscitarão, porque possuem a vida eterna prometida por
Jesus, que se manifestará por meio da ressurreição do corpo e sua imediata
glorificação (Rm 8.17-19; 1Co 15.21-22, 51-54).
2.
A vida física espiritual.
No
Antigo Testamento, Deus é mencionado como aquele que tem vida em si mesmo: “E
formou o Senhor Deus o homem do pó da terra e soprou em seus narizes o fôlego
da vida; e o homem foi feito alma vivente” (Gn 2.7); “O Senhor é
o que tira a vida e a dá; faz descer à sepultura e faz tornar a subir dela”
(1Sm 2.6); “porque em ti está o manancial da vida; na tua luz veremos a
luz” (Sl 36.9). A seguinte declaração de Jesus, portanto, está
plenamente articulada com o ensino veterotestamentário presente nos versículos
anteriores: “Pois assim como o Pai ressuscita os mortos e os vivifica,
assim também o Filho vivifica aqueles que quer. (...) Porque, como o Pai tem a
vida em si mesmo, assim deu também ao Filho ter a vida em si mesmo” (Jo
5.25, 26). A afirmação de que Cristo é a vida está também plenamente articulada
com a sua divindade como Filho de Deus. Além disso, Jesus declarou ser a vida
em João 14.6 precisamente entre “eu sou o caminho” e “ninguém vem ao Pai senão
por mim”, completando a noção de que o acesso ao Pai por meio do Filho implica
necessariamente na obtenção de vida espiritual, tendo em vista que o homem
carece de ser vivificado, uma vez que está morto em seus delitos e pecados,
destituído da glória de Deus (Rm 3.23; Ef 2.1).
CONCLUSÃO
Os
ensinos de Jesus presentes no Novo Testamento estão plenamente articulados com
o conjunto mais amplo da verdade revelada por Deus através da sua Palavra. Além
disso, os ensinos do Mestre não são meramente teóricos ou produto de uma
retórica bem elaborada, pois suas declarações possuem implicações práticas
transformadoras na vida dos homens. “Provai e vede que o Senhor é bom,
bem-aventurado o homem que nele confia” (Sl 34.8). Ainda hoje a Igreja
pode com absoluta confiança proclamar que Jesus é o caminho, a verdade e a
vida, ninguém vai ao Pai senão por Ele!
REFERÊNCIAS
Ø BRUCE, F. F. João: introdução e
comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 1987.
Ø HOUAISS, Antônio. Dicionário
Houaiss da Língua Portuguesa. RJ: Objetiva.
Ø PFEIFFER, Charles; VOS, Howard; REA,
John. Dicionário Bíblico Wycliffe. RJ: CPAD, 2007.
Ø STAMPS, Donald C. Bíblia de
Estudo Pentecostal. CPAD.
Ø UNGER, Merril F. Dicionário de
Teologia. SP: Vida Nova.
Ø VINE, W. E.; UNGER, Merril F.; WHITE
JR., William. Dicionário Vine. RJ: CPAD, 2002.
Por
Rede Brasil de Comunicação.
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